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Jorge Hilário, Director Geral
Faurecia Sistemas de Escape Portugal, Lda.
Bragança, 18 de Julho de 2003
Filmagem vídeo: Nuno Beira
Transcrição: Ana Cabral
Edição: Eduardo Beira
V0, 9 de Agosto de 2003
Eduardo Beira:
Eu gostaria que começasse por falar da experiência de uma multinacional
operar numa zona considerada tão periférica como é
Alto Trás-os-Montes.
Jorge Hilário:
Eu
começaria por evidenciar a coragem que um grupo como a Faurecia,
bastante conceituado e extremamente sólido na Europa e em todo
o mundo, teve em vir para uma região como Trás-os-Montes,
sobretudo porque o grupo ainda não tinha nada da sua divisão
de escapes a funcionar em Portugal. Tinha outras divisões a operar
longe de Trás-os-Montes e optou por vir para esta região
- e se calhar hoje essa escolha revela-se bastante acertada na medida
em que, de uma forma logisticamente fácil de atingir, conseguimos
chegar a três ou quatro eixos de grandes construtores do ramo automóvel.
Com uma distância que não ultrapassará as sete a oito
horas em camião, nós conseguimos colocar produtos feitos
aqui em qualquer destes construtores, de uma forma extremamente simples,
sem grandes conflitos de tráfego e sem grandes conflitos logísticos.
Se a esses três construtores adicionarmos o eixo Norte-Sul como
uma solução bastante interessante para fornecer o Sul e
o Centro de Portugal, onde há outros construtores, então
se calhar temos aqui uma excelente oportunidade a explorar.
Paralelamente a isto, e ainda em relação à situação
geográfica, verificamos que há uma total falta de exploração
da mão-de-obra aqui existente. Quando digo mão-de-obra,
refiro-me a todo o tipo de mão-de-obra mais ou menos especializada.
Há todo um aproveitamento que pode ser feito ao nível de
competências técnicas e competências de outro tipo
e que até aqui não se explorava ou não se aproveitava.
Aquele transmontano que pretendia fazer carreira profissional ou vida
na indústria, teria que o fazer fora da região, claramente
bastante longe desta região, porque aqui a indústria é
escassa. É a partir da conjugação destes e de outros
factores que efectivamente acho que esta pode ser uma história
de um investimento com muito sucesso.
Eduardo Beira:
Como é que vê o papel dos actores locais? Qual é a
força que têm e qual é a sua capacidade para ajudar
investidores nesta região?
Jorge Hilário:
Eu aí terei que ser extremamente pragmático e talvez fugir
daquilo que é o discurso politicamente correcto.
Eu diria que da parte do poder local, que no fundo é aquele que
nos interessa ter do nosso lado, temos sentido um total e incondicional
apoio.
Da parte daqueles empresários que penso que com este ou com aquele
serviço, ou com esta ou com aquela tarefa, nos poderiam dar uma
ajuda para dar um passo mais à frente, eu para ser franco não
senti muito envolvimento. Não sei se por questões do passado,
se por questões de acomodação, não sei se
faltará um esclarecimento sobre a importância de uma indústria
destas para a economia local. O que é facto é que noto em
pequenos detalhes, seja em serviços de hotelaria, seja em por exemplo
em determinado tipo de aquisição de equipamentos, que há
uma falta talvez de pré-disposição para se dar um
passinho mais à frente e para se atingir outros tipos de negócio.
Esse ponto obviamente que não é impeditivo do crescimento
desta empresa, mas é um ponto que poderia ser bastante atenuado
se houvesse um pouco mais de interesse em perceber porque é que
esta empresa veio para aqui, o que é pode fazer e onde é
que quer chegar.
Eduardo Beira:
Quanto aos actores institucionais, como o Instituto Politécnico,
etc.?
Jorge Hilário:
Aí já falamos de maneira diferente. Esses actores têm
desempenhado bastante bem o seu papel. Inclusive com o Instituto Politécnico
estabelecemos um protocolo recentemente que já permitiu algumas
vantagens para ambos os lados. Passo a citar que nós ficamos responsáveis
por absorver alguns estagiários e algum tipo de know-how que o
Politécnico esteja a desenvolver, enquanto que o Politécnico
sobretudo se encarrega de nos facilitar o acesso a determinados serviços
laboratoriais e ao seu atelier de mecânica para uma reparação
rápida de um ou outro equipamento. Nesse aspecto eu diria que a
coisa tem caminhado bastante bem e está em vias de se poder intensificar
ainda mais. Por exemplo neste momento temos em comum dois projectos que
consistem em enviar cerca de dez estagiários para França,
Espanha e Alemanha, totalmente identificados pelo Instituto Politécnico,
em que a Faurecia se encarregará de proporcionar um estágio
industrial intensivo nas nossas diferentes unidades, o que pode ser uma
mais valia para aqueles que vierem a ser contemplados com essa benesse.
Simultaneamente também estamos numa procura activa de pessoas disponibilizadas
para soldar - a soldadura é fundamental neste ramo de actividade.
Eduardo Beira:
A produtividade desta unidade compara-se bem com o resto do universo Faurecia?
Jorge Hilário:
Eu diria até que essa é claramente a nossa mais valia actual,
se pensarmos que nesta região, onde não havia experiência
industrial, se conseguiu começar um projecto de raiz, e ir moldando
uma cultura industrial, e preparando uma disciplina industrial que é
tão importante, hoje, no sucesso de uma indústria. Eu penso
que é baseado nessas premissas que hoje as pessoas que aqui trabalham
conseguiram fazer desta fábrica uma fábrica de sucesso ao
nível do grupo.
Este é um grupo com cerca de 150 fábricas por todo o mundo.
Só na divisão de escapes, na região Franco-Ibérica,
são seis. Temos reuniões mensais onde é possível
todos apalparmos o pulso de todos, e nesse aspecto, fico extremamente
satisfeito à medida que os meses avançam, porque verifico
que um determinado conjunto de parâmetros tão importantes
à continuidade de uma indústria, são absolutamente
absorvidos, cumpridos e até promovidos aqui em Bragança,
e isso deve-se única e exclusivamente às pessoas, à
sua disponibilidade, à maneira como elas encararam um desafio totalmente
novo. É importante que nos lembremos que há aqui pessoas
que eram agricultores à um ano atrás. Portanto isso é
extremamente interessante de ver crescer algo desde a raiz e sentir que
as pessoas estão a assimilar a nossa mensagem. Isso é extremamente
importante.
Eduardo Beira:
Trás-os-Montes é normalmente vista como uma região
periférica, remota e no fim do Mundo. Como é que vê
a vossa actividade e a questão das acessibilidades aqui à
região?
Jorge Hilário:
Vejo bem. Em termos pessoais eu já corri o mundo, já vivi,
quando eu digo viver, é trabalhar e partilhar a vida local, em
mais de 10 países, entre a Europa e a América do Sul. E
nesse aspecto posso-lhe dizer que Trás os Montes está a
ser uma experiência extremamente gratificante e que se calhar só
aqueles que estão lá para baixo sentados nos gabinetes é
que pensam que Trás os Montes é muito longe, porque não
é.
O nosso presidente da Divisão de Escapes veio aqui pela primeira
vez à sensivelmente dez meses e tinham-lhe dito isso mesmo, que
ele iria visitar Bragança que estava no fim do mundo, e quando
o fomos apanhar ao avião em Valladolid ele ficou extremamente bem
impressionado com a facilidade com que chegou lá, onde está
um grande construtor automóvel, que é a Renault. Disse mesmo
que não era como as pessoas diziam, e que a fábrica estava
muito bem localizada, que as estradas estavam extremamente fáceis
de atingir e percorrer e por conseguinte era apenas uma questão
de mentalidade.
Agora eu penso que nesta questão das acessibilidades, o problema
se põe cá dentro, em Portugal. Quando ainda hoje temos pessoas
na capital, no Sul, eu diria até mesmo na região Norte,
que pensam que Bragança ainda fica para lá do Marão,
e que isso é uma barreira, então estamos a ir pelo caminho
errado.
As barreiras ideológicas que interessam quebrar estão dentro
de Portugal. Um grupo como a Faurécia, onde o processo de escolha
da uma fábrica envolve muita gente, sobretudo pessoas de “topo”,
nunca ninguém pôs nos vários relatórios, a
que nós tivemos acesso, as acessibilidades como um ponto negativo,
muito pelo contrário: a acessibilidade a Bragança, até
foi considerado uma mais valia, relativamente aquilo que se pretendia
atingir como objectivos.
Depois é curioso verificar em dois ou três artigos que eu
já vi escritos no jornais, por gente de responsabilidade, que continuam
a dizer que Portugal é um país cheio de assimetrias. Mas
muitas das que existem são mais do foro psicológico, do
que propriamente realidade. Porque de Lisboa a Bragança, que eu
faço quase todos os fins-de-semana, são 5 horas de automóvel.
Há ainda dois aviões por dia que demoram 55 minutos. Portanto,
se calhar não estamos assim tão longe como isso.
Agora, as boas vontades, as mentalidades e todos esses problemas que tanto
nos impedem ás vezes de dar um passo em frente, é que podem
ser o problema, não o resto.
A questão mede-se sempre desta forma: Eu procuro contactar alguém
com um bocadinho mais de “know-how” em termos industriais
e as pessoas pedem mundos e fundos, porque dizem que ir para Bragança
exige logo à cabeça o dobro do vencimento do que ganhariam
noutras circunstâncias, quando eu acho que isso é um erro.
Repare que um alemão que é do norte, está preparado
para vir crescer e trabalhar no sul, a mais de mil km de distância.
Um francês de Bordeaux está perfeitamente disponível
para trabalhar em Paris, e só nós aqui em Portugal, é
que vivemos sistematicamente com esta ideia que temos de trabalhar e morar
à volta da praia porque aí é que se vive bem, e que
é aí onde está a qualidade de vida. Não é
nada disso. Posso assegurar que não é nada disso.
Eduardo Beira:
O Jorge Hilário é daqui?
Jorge Hilário:
Sou de Lisboa
Eduardo Beira:
Como é que acha a qualidade de vida aqui em Bragança?
Jorge Hilário:
Óptima. Eu passo tranquilamente 10 a 12 horas por dia na fábrica,
e sei que em 5 minutos estou sentado no meu sofá a ver o futebol,
coisa que em Lisboa eu não posso garantir, como o senhor sabe.
A qualidade de vida é óptima. O senhor encontra qualquer
produto, qualquer bem de consumo, em qualquer lado, a qualquer hora. Não
falaria dos preços porque por aí também nunca nos
iríamos incompatibilizar.
Há de facto aquela questão para quem quer vir para aqui
instalar uma fábrica e fazê-la crescer à velocidade
que os automóveis exigem, sentir que por vezes as pessoas daqui
poderiam dar um passinho mais em frente. Mas em termos de mentalidade,
em termos de abertura e aceitação do nosso projecto, e em
termos de vivência e de qualidade de vida, aqui é excelente,
mas excelente mesmo.
Eduardo Beira:
Há problemas de absentismo sobre a produtividade?
Jorge Hilário:
Outro aspecto importante que eu gostaria de realçar e que é
importante de partilhar quando se fala deste tipo de indústria
e da sua implantação aqui, é a produtividade, que
foi uma das mensagens e dos parâmetros bastante bem entendidos por
todos aqueles que aqui trabalham, assim como a capacidade de aprendizagem
nos programas de melhoria contínua. E pensar e assimilar que isso
não significava uma penalização, muito pelo contrário,
significava uma melhoria do posto de trabalho e uma melhoria dos processos,
baseado sempre na satisfação do cliente.
E outra questão também importante que se conseguiu aqui
em Bragança, foi a taxa de absentismo. Ela ronda neste momento
os 2 a 2,5%, o que não é, nem de longe nem de perto, comparável
a nenhuma outra parte do país, e que também a nível
da Europa é um valor dos de topo, daqueles valores que fazem o
desempate e que fazem a diferença.
Eduardo Beira:
Numa zona rural isso é surpreendente. Quer dar alguma explicação?
Jorge Hilário:
A explicação é muito simples. A razão pela
qual uma empresa se desenvolve e pode ser bem sucedida é apostando
no factor humano. A matéria humana é o melhor que existe
dentro de uma organização. Nem é a máquina
A, nem o dispositivo B, nem o processo C, mas sim a matéria humana.
E esta tem de ser devidamente respeitada, tudo tem de ser organizado em
função das competências e das capacidades do ser humano
e a partir daí haver uma grande partilha em termos de sistemas
de informação de tudo o que vai acontecendo na fábrica.
Toda a gente partilha as informações diárias, toda
a gente conhece os problemas, toda a gente tem oportunidade e local próprio
para se expressar. É a partir daí que conseguimos consensos,
e é claro, isso mede-se na satisfação, mede-se na
maneira como as pessoas encaram o trabalho, mede-se na flexibilidade que
as pessoas se apresentam para qualquer tarefa que se lhes ponha, e é
isso que provoca a diferença.
E isto que eu estou a dizer agora, aqui, é exactamente o mesmo
tipo de palavras e de discurso que eu utilizo com as pessoas todos os
dias. Evidentemente que há sempre um ou outro que pode não
estar completamente de acordo, há espaço para isso, há
oportunidade para isso. Agora, há é que pensar que tudo
tem que ser assemblado em função e à volta do ser
humano, porque ele é o mais importante que temos aqui.
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