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Dr. Álvaro Cotto, Presidente do Conselho de Administração
Sortegel SA
Geosil, SA
Castañia, SA
(Grupo SLN / BPN)
Porto, 14 de Julho de 2003
Filmagem vídeo: Nuno Beira
Transcrição: Ana Cabral
Edição final: Eduardo Beira
V0, 10 de Agosto de 2003
Álvaro Couto:
Em termos de receptividade ás actividades de investimento na região
por parte das principais instituições e dos principais agentes
locais, como se pode imaginar ela é total e há uma sensibilidade
que podem fomentar isso de forma acentuada, a começar naturalmente
por parte da câmara municipal e pelo seu presidente. Por outro lado,
as instituições quer ao nível do Ministério
da Agricultura (como o Ifadap) quer ao nível das instituições
de carácter universitário, sempre que são solicitadas
a realizar protocolos ou a apoiar as candidaturas de projectos, têm-no
feito com a consciência de que são zonas que têm de
ser apoiadas de uma forma particular, e todas as oportunidades que não
são muitas, logo as oportunidades de valorização
de recursos locais são acarinhadas, como não podia deixar
de ser.
A nossa lógica de investimento na região tem antecedentes.
Investimos já há cerca de doze anos no Alto Douro, nas caves
da Murganheira. Posteriormente isso evoluiu com entrada no capital das
caves da Raposeira.
Há cerca de quatro anos e meio realizamos um investimento na área
agro-florestal com a aquisição de propriedades que eram
da antiga Tabaqueira, mais tarde da Philip Morris, que dentro de uma determinada
estratégia resolveu alienar tudo o que era agro-alimentar ou não
tabaco. A partir daí sendo nós um grande agente em termos
de produção de castanha, naturalmente que se colocava a
questão de evoluir para a fase não só da transformação,
como da comercialização e da valorização adicional
dos produtos.
Há uma directiva de diversificação de investimentos
no grupo e a consideração de que o sector agro-alimentar
é um sector com potencial. Temos vindo a confirmar isso ao longo
dos últimos anos nas várias áreas em que temos investido.
Por outro lado, numa das principais propriedades há a intenção
de a valorizar porque se trata de uma propriedade emblemática,
reconhecida como sendo das mais interessantes da região. Para além
da sua história e do facto de ter ficado quinhentos anos na mesma
família, e de ser a propriedade do Alcaide-mor de Bragança
durante séculos, há a necessidade de valorizar o mais possível
as outras componentes e particularmente uma outra vertente que achamos
ser essencial para a região, que é a valorização
do seu potencial turístico.
A região da Terra Fria e todo a região de Trás-os-Montes
e Alto Douro têm um potencial muitíssimo grande e neste caso
a região da Terra Fria Transmontana tem características
muito próprias - estamos a falar da zona de implementação
da grande mancha de castanheiro a nível nacional, com uma produção
na ordem dos 80% ou talvez mesmo mais. A vertente turística tem
justificação pelas características paisagísticas,
culturais, arquitectónicas, gastronómicas, que existem e
são importantes naquela região. Dentro de uma filosofia
com um padrão de qualidade elevado, porque também temos
a consciência que com as nossas condições e com as
infra-estruturas que pretendemos criar não haverá lugar
para a massificação de fluxos turísticos, pretendemos
ter qualidade naquilo que venhamos a desenvolver de forma a atrair o turismo
com um carácter reprodutivo mais elevado. Temos esta linha estratégica,
e temos todo o apoio por parte das instituições.
Evidentemente que há algum enquadramento institucional que nem
sempre é o mais favorável, do ponto de vista de indústrias
e de actividades que se localizam em zonas relativamente periféricas,
quer aos centros de decisão, quer aos centros de fornecimento de
serviços. Estas são zonas com sobrecustos em termos de prestação
de serviços, e até em termos de factores de produção,
concretamente em relação ao custo energético - por
exemplo o problema do gás. Uma vez que não estamos inseridos
na rede de gás, ele chega lá a preços muito mais
elevados do que aquele que existe no litoral (onde está instalada
a rede nacional de gás), de modo que aí haveria qualquer
coisa a fazer para além do enquadramento fiscal das empresas. Mesmo
em termos de assistência, quando é precisa uma assistência
mais sofisticada, ou recorremos ao Porto a 200 km ou então temos
que recorrer a Lisboa. Existe um handicap mas é evidente que são
actividades que têm em conta a valorização dos produtos
naturais, dos produtos endógenos, e desse ponto de vista a localização
no que se refere à produção e à transformação
de castanha, que hoje é um produto com uma valorização
crescente em termos de imagem nos mercados internacionais e mesmo no mercado
nacional, a localização em Trás os Montes é
estratégica, e aí temos uma vantagem.
Eduardo Beira:
A castanha é um produto muito interessante em Alto Trás-os-Montes.
E uma das possíveis âncoras da actividade agro-alimentar
da região?
Álvaro Couto:
A castanha é na zona da Terra Fria, na zona do Alto Trás-os-Montes,
neste momento o produto economicamente mais relevante. Estou a falar de
uma produção na ordem entre as quinze mil e as vinte mil
toneladas por ano, com uma procura crescente, quer interna, quer externa
- não na vertente da castanha ao natural, mas já da castanha
como produto transformado, descascada, congelada e com a possibilidade
de ser utilizada das mais diversas formas, desde os cremes, purés,
iogurtes, gelados, as sopas, farinhas de castanha, etc.. Estes são
aspectos em que a culinária nacional ainda pouco explorou, embora
o mercado nacional consuma hoje seguramente mais de quinhentas toneladas
de um produto que há cerca de meia dúzia de anos não
ainda relevância em termos de utilização culinária
entre nós.
A castanha é efectivamente um produto da maior importância
para a economia local: hoje suplanta de certeza a pecuária e os
cereais na zona da Terra Fria. A nossa actividade é muito vocacionada
para a exportação: a actividade que desenvolvemos destina-se
à exportação em mais de 80% a 90%. Deve andar na
casa dos sete mil milhões de euros por ano, o que é significativo
para uma actividade localizada naquela região, uma vez que não
há muitas actividades, para além da zona do Douro, que possam
ter esta relevância. Há muitos especialistas nesta área
e pessoas com conhecimentos que referem, talvez com alguma razão,
que a castanha na Terra Fria Transmontana poderá no futuro ganhar
uma relevância que se pode aproximar da importância do vinho
do Porto no Douro.
A castanha de Trás-os-Montes é procuradíssima e tem
uma imagem muitíssimo boa, desde o Japão (que é o
maior mercado mundial), à França (que é o segundo
maior mercado), à Suiça, à Inglaterra, à Áustria.
A castanha de Trás-os-Montes, particularmente a variedade judia
para consumo em natureza, e a variedade longal no consumo de castanha
para indústria, é reconhecidíssima. O Brasil é
o grande importador de castanha em natureza - a castanha portuguesa que
Brasil é em 90% castanha de Trás-os-Montes. E preciso referir
que há castanha noutras regiões, e que também pode
sair do país como castanha de Trás-os-Montes, que é
o caso da castanha da Guarda, ou uma outra zona de produção
importante que é a castanha da zona de Marvão, mas no fundo
a grande concentração é ali, em Alto Trás
os Montes, devido ás condições de altitude que prevalecem,
e que no caso dos castanheiros são essenciais.
Eduardo Beira:
Como tem sido o crescimento dessas actividades?
Álvaro Couto:
A nossa actividade na castanha é uma actividade de transformação.
Considero que só pode crescer na zona de Trás-os-Montes,
e particularmente através das principais unidades de transformação,
de que a Sotergel é a principal unidade. Porque a procura é
crescente e consistente, e a valorização do produto tem
vindo a ser progressiva, é um produto que ainda não há
muitos anos não era valorizado na zona de Trás-os-Montes.
Há talvez vinte, vinte e cinco anos a castanha de Trás-os-Montes
era apenas usada em natureza. A procura concentrava-se em determinados
momentos, no 5. Martinho e no Natal, e a partir daí a castanha
caía de preço, e o rendimento dos agricultores era muitíssimo
mais baixo do que é hoje. Só a partir do momento em que
começa a haver uma unidade que transforma quantidades importantes
da castanha de Trás-os-Montes e que disputa a castanha aos principais
importadores (aos italianos, aos franceses, aos espanhóis que vinham
aqui procurar a castanha mas levavam-na na altura em que lhes convinha
e depois deixavam cair o mercado) é que a castanha teve uma valorização
vertiginosa.
A castanha não há muitos anos vendia-se no máximo
a vinte, trinta escudos e este ano vendeu-se em média a duzentos
e cinquenta escudos, uma valorização de dez vezes mais,
mil por cento, num espaço relativamente curto. Sendo certo que
hoje é um produto com características alimentares muitíssimo
valorizadas nos mercados mais sofisticados, essa característica
vai-se acentuar em Portugal com o decorrer do tempo. A castanha é
reconhecida como um produto de altíssimo valor alimentar, um antioxidante
poderosíssimo. Dizem os franceses que é talvez um dos poucos
produtos inteiramentos biológicos, e tendo em conta a tendência
para a preocupação da selecção de produtos
alimentares com qualidade, sem fertilizantes e químicos, naturalmente
que a castanha só se pode valorizar e os níveis de transformação
da castanha só poderão aumentar no futuro.
Eduardo Beira:
Alto Trás-os-Montes sempre foi visto como uma periferia portuguesa.
No entanto as coisas estão a mudar. Aquela zona arrisca-se a ser
uma nova centralidade nas próximas décadas?
Álvaro Couto:
O que se tem verificado na sequência da integração
europeia e da evolução dos últimos anos é
que cidades que no interior estavam marginalizadas, em Trás-os-Montes,
em toda a Beira-Alta, na zona das Beiras e mesmo no próprio Alentejo,
hoje são as que estão mais perto das outras centralidades,
quer no contexto ibérico, quer no contexto europeu.
A zona da Terra Fria, e particularmente Bragança, é
a zona ou cidade que está mais perto do centro da Europa. E uma
cidade que tem tido a preocupação de se equipar com infra
estruturas, particularmente ao nível do aeroporto, tem projectos
para o seu alargamento em termos de acessibilidades de saídas para
a Europa, que naturalmente terão que ser complementadas com outras
vias. Em termos de proximidade dos novos meios de transporte
de alta velocidade., o TGV (que num futuro não muito longínquo
estará a vinte ou a trinta kms de Bragança) coloca aquelas
cidades e toda a região do interior num contexto de novas centralidades.
Daí que hoje é frequente e é uma linha estratégica
dos responsáveis locais, o fortalecimento das ligações
a cidades do lado da Galiza e Castela, do outro lado da fronteira. Temos
aí a criação de novas centralidades, particularmente
com a possibilidade de Bragança vir a desempenhar um papel polarizador,
nomeadamente no que se refere aos transportes aéreos. A partir
daí outras valências se desenvolverão. Naturalmente
que as escolas e o ensino superior desempenham aqui um papel muito importante
na fixação de pessoas, no desenvolvimento de novas capacidades
e de novos serviços. Temos excelentes exemplos em Trás-os-Montes,
a começar pela própria UTAD, que é um exemplo acabado
de sucesso em termos de pólos universitários. Bragança,
Chaves também tem as suas vertentes, Mirandela e Macedo de Cavaleiros
também. Há uma vertente do ensino a puxar novas funções
para as cidades do interior. Não há dúvida que estamos
face a um contexto em que Bragança e cidades ultra-periféricas
hoje têm novas potencialidades no contexto europeu.
Podemos ainda dizer que em termos de unidades de transformação,
para além da castanha, vamos tentar valorizar outros produtos da
economia local e regional que têm um elevado potencial mas que por
razões diversas, sobretudo pela falta de escoamento e de linhas
de escoamento para o mercado, têm sido relativamente abandonados.
Estou a falar de outros produtos de carácter biológico como
é o caso da amora silvestre, do figo, dos marmelos, das variedades
de maçãs, pêras e outros frutos, que por falta de
dimensão e de capacidade de escoamento se têm perdido e degradado.
Temos perdido espécies que são provavelmente já de
difícil recuperação, Temos o terreno, temos os ecossistemas,
temos clima, temos os micro climas que favorecem a valorização
de uma gama relativamente alargada de produtos.
Eduardo Beira:
Como é que vê a questão do circuito de distribuição?
Álvaro Couto:
O circuito de distribuição está em falta. O mercado
existe, desde que haja capacidade de concentração, de tratamento,
de limpeza, de embalagem, de armazenamento e de frio. Quando chegamos
aos mercados do centro da Europa com 10 ou 30 toneladas de produto de
qualidade, não há problema nenhum em escoá-lo, o
que é preciso é encontrar os canais de distribuição.
A nossa dimensão de cinco ou dez mil toneladas em mercados que
consomem dezenas de milhares de toneladas não têm significado,
tem é a grande vantagem de ir complementar outras produções
e outros produtos. Ai temos mercado para valorizar ou revalorizar esses
produtos.
Eduardo Beira:
A Sotergel é já uma referência em termos europeus?
Álvaro Couto:
Sim, hoje a Sortegel é uma unidade tem dez anos de existência
e é reconhecidamente uma unidade que vende produtos de qualidade.
Não os produz, os produtos são da economia e da agricultura
local, mas há a preocupação de os valorizar ou sobretudo
de não os deteriorar, A Sotergel tem unia imagem muitíssima
boa nos mercados de destino, na Suiça, França. Inglaterra,
Estados Unidos e Brasil. Em termos de castanha a Sotorgel está
equipada com a possibilidade de fazer esterilização de castanha,
que é talvez uma das poucas unidades que pode fazer isso em termos
nacionais. A castanha esterilizada tem um processo um pouco mais sofisticado,
e sobretudo é um processo que elimina uma boa percentagem da castanha
que tem defeito porque passa por um processo de água e vapor. No
Brasil ela é muito considerada pelos nossos clientes, e penso que
não é apenas em termos elogiosos, que aí há
de facto três tipos de castanha: a estrangeira, a portuguesa e a
da Sortegel. A Sotorgel tem uma imagem e tem uma responsabilidade muitíssimo
importante, quer em termos sociais porque hoje tem um peso muitíssimo
grande na economia da região, quer na compra e revalorização
do produto da região, quer na ocupação de mão-de-obra.
Em média durante o ano, a Sotergel ocupa permanentemente entre
70 a 80 pessoas, é evidente que parte desta ocupação
é sazonal e durante a campanha da castanha, mas em média
é uma unidade que assegura já perto de uma centena de postos
de trabalho.
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