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Conversa com José Silvano
José Silvano, Presidente da Câmara Municipal de Mirandela
Mirandela, 24 de Junho de 2003

Filmagem vídeo: Nuno Beira
Transcrição: Ana Cabral
Edição: Eduardo Beira
V0, 9 de Agosto de 2003


Eduardo Beira:
Mirandela mudou muito nos últimos vinte anos?

José Silvano:
Mudou significativamente. Primeiro porque Mirandela ganhou centralidade, e hoje isso é um factor decisivo do desenvolvimento. Ganhou centralidade também, porque embora esteja localizada geograficamente entre as principais capitais do Distrito, Vila Real, Bragança e Chaves, criou ela própria algumas vias de comunicação a passar pelo centro de Mirandela e com ligação ao IP 4, e agora com a ligação à IP 3 e com a ligação à IP 2. Com estes factores atraiu mais gente e desenvolveu-se mais harmoniosamente.
Nestes últimos vinte anos verificou-se de uma maneira geral uma melhoria da nossa qualidade de vida, que fez com que Mirandela fosse um pólo de maior atracção. Investimos muito em termos do turismo e do lazer. Mirandela qualificou-se com espaços urbanos e espaços de lazer. As zonas verdes e o tratamento do pormenor na construção urbana, são uma novidade com alguma criatividade e têm também constituído uma atracção.
A zona industrial é outra importante fonte de atracção e há cerca de quinze anos que é uma área em expansão. Na altura foi uma novidade para os concelhos do interior, mas mesmo assim souberam-se adaptar, e gerou e foi fixando várias empresas que depois também deram origem a outras empresas paralelas no Cachão, que acabou por ser uma segunda zona industrial que nos “caiu por acréscimo”. O (antigo complexo do) Cachão teve um processo de falência que correu no tribunal e acabou por fechar. As duas câmaras, de Mirandela e Vila Flor, encarregaram-se do processo, transformando o Cachão numa segunda zona industrial mais ligada ao sector agro-alimentar. Conseguiram-no. Numa primeira fase instalaram-se cerca de onze empresas no Cachão, embora individualizadas, com a consequente criação de trezentos e tal postos de trabalho, o que nos tempos de hoje é significativo. Mais significativo ainda, porque se investiu no Cachão mesmo nesta fase mais de um milhão e meio de contos - e ás vezes as pessoas perguntam-se, qual a empresa privada que nesta região, ou que se calhar até no norte de Portugal, investiu nestes últimos tempos uma quantia equivalente. É um facto que aquelas empresas não só conseguiram (sobreviver), como foi uma aposta ganha.
O segundo sector que foi necessário apostar foi o ensino, uma vez que não adianta ter as infra-estruturas, se não houver gente qualificada. A aposta no ensino superior, embora atrasada (porque o ensino superior teve uma época de boom de crescimento, embora depois tivesse estagnado, e hoje se calhar está numa fase decadente porque a procura já é inferior à oferta), mesmo assim conseguiu fixar em Mirandela , através do Instituto Politécnico de Bragança, primeiro um pólo com quinhentos alunos e agora uma escola autónoma que é a Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Mirandela. Esta escola conta já com 740 alunos, e prevê-se que com as instalações e com o bloco social que estão em construção, chegue aos 1500 alunos no prazo de mais dois anos.
Também no sector privado, uma vez que o Instituto Piaget resolveu fazer um investimento forte em Mirandela na área das engenharias, uma área que não constitui grande atracção uma vez que as universidades públicas têm sido as principais concentradoras desses cursos. De qualquer forma o Instituto Piaget nessa área tem já cerca de 112 alunos, para já só estão a funcionar a Engenharia Agro-alimentar e a Engenharia Civil, o resto tem tido algumas dificuldades de iniciação.
Mirandela tem também hoje já uma infra-estrutura cultural, com o auditório e a biblioteca municipal, que são das maiores do Norte do país. Devido a isso teve também um grande desenvolvimento cultural que gerou à sua volta algumas unidades importantes, na divulgação da cultura, a Pró Arte, uma escola de música que neste momento tem 120 alunos, praticamente todos eles pertencem a uma orquestra de música clássica de qualidade que contribui também para promover o nome de Mirandela e a região de Trás-os-Montes em termos culturais. Mirandela desenvolveu também muitas associações culturais locais, porque para aquele espaço ter alguma ocupação, as associações das aldeias também tiveram de se desenvolver. Neste momento temos cerca de doze associações culturais a funcionar. Tem-se produzido também algum trabalho cultural espalhado pelas aldeias e desenvolveram-se significativamente algumas actividades paralelas que decorrem no auditório de Ballet e Teatro.
Numa segunda fase destes últimos vinte anos, estamos a apostar na qualidade de vida e nomeadamente no desenvolvimento da qualidade ambiental. Mirandela também foi pioneira neste aspecto, ainda mal se falava em aterros sanitários e nós já tínhamos o primeiro aterro sanitário quase do país, feito na base da Associação de Municípios da Terra Quente em que se encerraram as cinco lixeiras nos cinco concelhos. Foi feito um investimento de largos milhões de contos no tratamento de águas e esgotos que poluíam os nossos rios.
A segunda fase do desenvolvimento qualitativo foi em termos ambientais, fizemos um esforço enorme e neste momento Mirandela pode-se dar ao luxo de dizer que tem água em quantidade e em qualidade, porque tem estações de tratamento de águas residuais e tem praticamente o concelho todo com as infra-estruturas básicas necessárias para que não haja problemas, quer no saneamento, quer em questões de água.
Este desenvolvimento foi também importante para as indústrias, porque algumas delas tiveram a possibilidade de ligar os seus esgotos à estação de tratamento de água residual principal com menores custos. Isto foi também um factor qualitativo de fixação de algumas empresas e de alguma parte importante de sectores tradicionais, nomeadamente o sector agro-alimentar que tem alguma poluição permanente e que o Cachão e a zona industrial com estas infra-estruturas ajudaram a resolver e a fixar.
Em relação ao trânsito, Mirandela tem uma rua principal de passagem que era um grande problema, principalmente ás horas de ponta. Tornava-se difícil escoar todo o trânsito de Mirandela para Bragança, ou o trânsito que se deslocava para o Concelho de Mirandela. Fizemos um investimento forte em duas variantes, a variante dos Castanheiros à zona industrial que retira o trânsito do lado norte, e estamos acabar agora outra variante da Ribeira de Carvalhais que vai sair ao pé do hipermercado, e que permite também o escoamento do trânsito da rua principal.
Estas foram as principais apostas nestes últimos tempos aqui em Mirandela em termos de fixação quer de pessoas quer de qualidade de vida.

Eduardo Beira:
As infra estruturas de saúde de Mirandela têm hoje uma qualidade que permite ás pessoas de fora viver aqui com tranquilidade?

José Silvano:
Mirandela foi talvez o concelho pioneiro nalgumas medidas de saúde, para além do Hospital tradicional de Mirandela, que sempre foi um ex-líbris da cidade no conjunto de Trás-os-Montes. Este Hospital sempre foi um Hospital de ponta, mas ultimamente conseguiu-se desenvolver à volta uma estrutura de retaguarda, principalmente para os mais idosos, que é o Hospitel. O Hospitel é um dos poucos casos em Portugal, tem capacidade para oitenta camas e serve de hospital de retaguarda, ou seja, as pessoas mais idosas podem ir para aquela unidade e ter tratamentos médicos de acordo com as suas doenças. Neste momento temos também quatro clínicas particulares em Mirandela, três generalistas e uma de hemodiálise. Há perspectivas de criar um complexo para a terceira idade com áreas de lazer. Temos também um Centro de Saúde praticamente novo, e a curto prazo teremos um segundo centro de saúde no lado Sul de Mirandela, em Bufeiras.

Eduardo Beira:
Alto Trás-os-Montes só se começou a manifestar como região individualizada nos últimos anos. Como é que vê a relação com Macedo de Cavaleiros e com Bragança?

José Silvano:
A rivalidade que existia, principalmente entre Mirandela e Bragança, atenuou-se no bom sentido. Continua a existir uma certa rivalidade entre o orgulho bragançano e o orgulho mirandelense, mas tornou-se numa rivalidade saudável. Essa rivalidade é também um factor competitivo, permite que Mirandela e Bragança progridam juntas. As duas cidades lutam por mais investimentos e esta aproximação acaba por se fazer, até porque também as distâncias se encurtaram significativamente e praticamente hoje Mirandela e Bragança estão a (menos de) três quartos de hora de distância. A principal rivalidade que ainda existe, é por Bragança ser Capital-Distrito. Nós entendemos que a distritalização que vigorou muitos anos em Portugal foi negativa e que felizmente, com a nova modalidade da criação das comunidades urbanas, isso pode ser alterado. Isto porque todos serviços públicos iam para a Capital-Distrito e todos os investimentos significativos também. Mirandela teve que se desenvolver mais na área comercial e industrial, porque era onde podia competir com as mesmas armas, as outras eram dadas pelo governo e não eram tão bem aproveitadas porque iam para a Capital-Distrito.
Actualmente penso que esta rivalidade é saudável, é uma rivalidade de competitividade e de progresso.

Eduardo Beira:
Há também o ponto de vista de que as competências de uns e de outros, especialmente do triângulo, Mirandela, Bragança e Macedo de Cavaleiros, cria uma zona e um conjunto de competências mais forte em que umas podem completar as outras...

José Silvano:
Estamos a falar de três cidades médias, embora o último estudo do Ministério das Finanças venha dizer que só Mirandela e Bragança no Distrito, é que têm um potencial de alto desenvolvimento, e que Macedo não passa de um potencial médio, e os outros concelhos infelizmente só têm um potencial de baixo desenvolvimento. É evidente que o eixo Mirandela, Bragança e Macedo de Cavaleiros é um factor de desenvolvimento e é um factor que ele próprio se cria sem grande intervenção do poder político, e isso tem que ser levado com muita cautela e com muito cuidado, porque nós ao desenvolver este eixo demasiado, podemos estar a criar ainda mais assimetrias em relação aos nove concelhos do resto do distrito.
O que dizemos agora é que o eixo Mirandela, Bragança e Macedo de Cavaleiros cada vez tem que se unir mais porque percebemos que do outro lado, o eixo Lamego, Régua e Vila Real, também está em desenvolvimento e a apostar no futuro. Cada vez mais temos que pensar que ou temos uma certa dimensão e trabalhamos a uma escala maior, ou então perdemos o desenvolvimento para o outro eixo, o que é extremamente complicado em termos competitivos. Daqui para o futuro os autarcas precisam de além de olhar para a capela, a câmara (e nós infelizmente só somos eleitos para a câmara), temos que olhar também para o desenvolvimento da região. Por isso acho que urge haver um órgão supra autárquico que coordene o desenvolvimento da região, caso contrário corremos sempre o risco de cada um de nós estar preocupado apenas com o seu concelho em detrimento do desenvolvimento da região.

Eduardo Beira:
E ao nível ainda das infra-estruturas do desporto e do lazer?

José Silvano:
Nós tínhamos aqui um grau de desenvolvimento muito inferior em relação ao resto do país - nomeadamente em equipamentos desportivos éramos praticamente um deserto. Nos últimos vinte anos não só Mirandela, mas penso que os outros concelhos também, conseguiram todos ter uma piscina aquecida. Nós neste momento também estamos a caminhar para isso e para uma piscina descoberta. Temos campos de futebol relvados e estamos a pensar também num complexo. Dependendo das infra-estruturas desportivas, é evidente que as colectividades ganham outra dimensão e pressionam-nos para isso. Mirandela em termos desportivos tem duas ou três bandeiras regionais e nacionais que nos obrigam a caminhar para as infra-estruturas físicas. Tem o CTM, o Clube de Ténis de Mesa local, que além de ser campeão nacional também participa nas competições europeias, o que é já uma responsabilidade acrescida. Tem o futebol que sempre foi um ex-líbris, embora esteja na terceira divisão, apenas porque são essas as possibilidades do Clube. Foi campeão mundial em Kik Boxing, uma modalidade que aqui também tem alguma implementação. Depois tem várias equipas em todas as modalidades. O Jet-ski tornou-se muito importante, já decorreu aqui o campeonato da Europa e este ano vai decorrer pela primeira vez a taça do mundo, vêm cerca de setecentos concorrentes de todo o mundo. É o maior evento que decorre a norte do país, tem transmissões em várias televisões internacionais, o que também é uma boa promoção a nível do exterior da região.

Eduardo Beira:
Neste momento está a ser construída uma nova piscina coberta?

José Silvano:
Mirandela tem o rio que já era uma piscina grande descoberta ao ar livre, temos uma piscina no parque de campismo, mas fazia falta uma piscina coberta porque no rigor do Inverno não podemos utilizar nada ao ar livre. Era uma velha aspiração dos mirandelenses que ficou para um segundo plano, devido ao custo elevado de manutenção, mas neste momento está já a ser construída, e estará concluída no próximo ano. É uma piscina olímpica o que nos dá a garantia de que não irá servir apenas para o treino e para a prática de natação da população residente, mas servirá também para se tornar num pólo de estágio de equipas internacionais, o que também ajudará a promover o Concelho, e para no futuro ter alguma referência em termos desportivos.